O Bem e o Mal na sabedoria popular: um testemunho pessoal
A noção de energia material humana permite uma distinção concreta e clara entre o bem e o mal.
O que sempre me encantou na sabedoria popular é o seu método e o seu objeto: busca da compreensão da totalidade da realidade . O método porque, sendo histórico e cumulativo, elimina a idéia de paternidade do saber. Seu autor é sempre anônimo, pois que não é nada mais, nada menos do que a coletividade depurando historicamente os conceitos. Objeto porque nascido da necessidade de dar conta de questões concretas e objetivas da própria sobrevivência e evolução dos indivíduos e da coletividade.
A sabedoria popular não pode se dar ao luxo, como outros modelos de saber o fazem, de lidar com realidades parciais. A vida concreta e do dia-a-dia não é um laboratório planejado para um determinado tipo de experimento. Ela é feita, sobretudo, do imprevisível, portanto, daquilo que não pode ser planejado. Daí ser o objeto da sabedoria popular a totalidade da realidade.
Se ela sempre me encantou, agora passou a me seduzir. É que, premido pelo instinto de sobrevivência, tive que ir a fundo no estudo da alma humana. Nas teorias acadêmicas disponíveis, encontrei algumas respostas, mas sempre parciais e até mitificadoras. Já na sabedoria popular tenho encontrado respostas que desvendam quase que por completo os mistérios da alma humana.
A questão do bem e do mal, por exemplo, no nosso dia-a-dia, é uma realidade visível, palpável e traiçoeira. Entretanto, quanto mais nos aprofundamos nas teorias acadêmicas, mais confusos ficamos. É que essas teorias relativizam tanto essa questão que chegamos a acreditar que nem há distinção entre o bem e o mal.
Já na sabedoria popular essa distinção é bem nítida e concreta. Nítida porque aqui jamais se negou essa realidade. Concreta porque se expressa pela linguagem do próprio corpo. E aquilo que era crendice ou supertição para mim, agora vejo como profunda compreensão científica da realidade.
Talvez isso se explique pelo fato de que, não sendo de laboratório, a sabedoria popular sempre teve que trabalhar com um conceito de matéria que só recentemente vem sendo apreendido por algumas teorias acadêmicas. A noção de matéria na sabedoria popular sempre expressou a dimensão energética e, se errou, foi na supervalorização dessa dimensão.
Para ela, o homem é um ser material, sujeito e objeto dessa dimensão energética. Até aqui, ela não avança sobre algumas teorias acadêmicas que também admitem esse fato. Seu avanço está em dividir essa dimensão energética em dois pólos: negativo e positivo. E com isso ela permite uma percepção nítida do bem e do mal. E é tal percepção que lhe permite buscar e encontrar formas de lidar com essa realidade, ensejando sua superação.
É assim que temos o pé frio e o pé quente, cuca fresca e cabeça quente e até mesmo mau olhado.
Essas expressões exemplificam como a sabedoria popular vê a energia humana se materializando e se expressando através do corpo. Mais ainda, como ela tem uma nítida noção das características físico-químicas dessa energia e de sua relatividade, mas jamais de sua falacidade como querem nos convencer os racionalistas mecânicos.
De acordo com a sabedoria popular, para você ser pé quente é preciso ter a cuca fresca, ser enxuto. Já se você tiver a cabeça quente, certamente será um pé frio, aguado e frouxo. E tudo indica que, em sendo cabeça quente e tendo pé frio você será portador de mau olhado.
É que a energia negativa é a energia positiva ou primitiva retida e/ou contida. Essa contenção transmuta a energia primitiva (calorosa) em secundária ou negativa (frígida). Entretanto, ela tem dupla face, ela é falaz: é uma coisa e parece outra(e aqui está a explicação para o milenar discurso da falacidade dos sentidos). O melhor exemplo disso é o estado febril, onde a pessoa está tiritando de frio, apesar de estar aparentando um corpo quente.
Como a tendência da energia é se alojar na cabeça e sair pelas extremidades do corpo, cabeça quente é pois um corpo impregnado de energia negativa, que tende a sair pelos pés e mãos, que estarão frios. Quem tem cabeça quente, pois, certamente será pé frio e, como tal, a energia que desprender pelos olhos será negativa ( mau olhado).