Namoro pra que?
Índia, teus cabelos nos ombros caídos,
negros como a noite que não tem luar,
teus lábios de rosa para mim sorrindo
e a doce meiguice deste teu olhar. Índia da pele morena,
tua boca pequena
eu quero beijar!
Índia sangue tupi,
tens o cheiro da flor,
vem que eu quero lhe dar
todo o meu grande amor.
(José Fortuna)
Grande parte da filosofia popular brasileira, se não a maior, se expressa pelas letras de nossas músicas. “Índia” é uma dessas.
A sabedoria popular jamais negou a dimensão da energia na matéria. E era principalmente através da percepção dessa energia que as pessoas se relacionavam, aproximando-se para cultivar tal relacionamento, ou afastando-se, para não se contaminar com as cargas de energia negativa.
Pela teoria da energia material humana sabemos que a vital/positiva é calorosa, perfumosa, oleosa e doce. E é isso que o autor percebia na índia. E, sendo essa energia a matéria prima do verdadeiro amor, queria que ela se tornasse o seu grande amor.
Talvez e também por isso, o namoro, na sabedoria popular, era aparentemente tão ingênuo! Principalmente em relação ao modelo dos nossos dias, em que tudo é permitido e até publicado!
Entretanto os casamentos, na sabedoria popular, eram muito mais duradouros e estáveis. Óbvio que outros fatores contribuíam para isso. Mas acreditamos que o foco na dimensão energética das pessoas era o fator mais determinante. Afinal, é por aí que tocamos as almas das pessoas e, de alguma forma, nos conectamos com a sua essência. E só uma relação alicerçada na essência pode amadurecer, perdurar e ser realizante.
Só uma relação assim permite que o casal avance rumo ao modelo da fusão genital, onde ambos vivenciam sua potência, produzindo a energia material humana vital/positiva no cultivo das virtudes humanas.
Ao contrário, hoje, nesta sociedade consumista e em que se despreza a dimensão da energia, o que determina as relações é preponderantemente a dimensão das aparências: só vale o que for visível, tangível e mensurável! Um namoro nesse cenário não ajuda nem no conhecimento do outro nem no próprio auto-conhecimento. Ele jamais será, pois, uma preparação para o casamento. Mas, se tal acontecer, certamente esse casal não ultrapassará o modelo da fissão genital em que a mulher não passa de objeto e o homem exercita sua prepotência de machão.
E é assim que cada vez mais se tem produzido e disseminado a energia material humana mortal/negativa. Suas características, frígida, fétida, seca e salamarga, constituem a matéria prima de todas as nossas mazelas individuais e coletivas. Mazelas que ficam escancaradas ao analisarmos a crescente tendência do ser humano à destruição de si, do outro e do meio.
Prova disso é o uso crescente e empolgante do termo cumplicidade no lugar de solidariedade. Até mesmo nos nossos templos! E olha que de acordo com a Sabedoria Popular a cumplicidade se dá no crime! Mas essa aberração tem sua razão de ser.
A maioria das atuais relações “amorosas” não se alicerça no amor e muito menos o alimenta. São relações que se nutrem das carências de indivíduos que cultivam muito mais a energia material humana mortal/negativa: inveja, competição, aflição, gula, ciúme, raiva, desconfiança, luxúria, vaidade, agito, etc. Claro que aí só pode predominar o cultivo do sentimento de culpa. E para que esse cultivo seja palatável e até tenha um pouco de charme, os parceiros têm que ser cúmplices. Cumplicidade que terminará por minar e detonar as relações que, cada vez mais, têm durado menos.
Acreditando no ser humano e em nossa capacidade de superarmos nossos limites, passemos a enfrentar esta cultura mecanicista-tecnocrática que nos obriga a fechar os olhos à dimensão da energia na matéria, principalmente na nossa própria materialidade. Qualifiquemos nossas relações amorosas, em especial a do namoro, combatendo a cumplicidade do “nós” e colocando em seu lugar a solidariedade do Eu plural.