Espírito de Violência e sua origem
O espírito de violência não é inerente à natureza humana e, sim, uma construção histórica. Como tal, pode ser enfrentado e superado coletiva e individualmente
O ser humano existe para amar e criar. Amando, expressa e viabiliza sua dimensão natural. Criando, evolui e constrói a história. E essas funções se determinam mutuamente.
Na medida, entretanto, em que vão sendo reprimidas, a energia que as alimentaria passa a ser canalizada para as funções opostas de odiar e destruir. Infelizmente, é essa a dupla que cada vez mais tem reinado nas famílias, na escola, nas organizações e nas relações humanas em geral, reproduzindo e ampliando uma cultura de destruição e de desamor.
Resta-nos, pois, refletir como se dá essa repressão às nossas funções primárias de amar e criar, para verdadeiramente enfrentarmos o espírito da violência que se expressa pelo modelo do ódio e da destruição.
A evolução do ser humano tem sido no sentido de dominar sua própria natureza, tentando romper alguns de seus limites, para aumentar a sua capacidade de amar e de criar. Em alguns casos ele se dá bem, porque consegue romper os limites sem transgredir alguma lei essencial da dinâmica natural. Na maioria dos casos, porém, ele tem se dado mal porque, ao tentar romper certos limites, ele, geralmente por desconhecimento ou falso conhecimento, termina por agredir sua própria natureza. Ou por outra, ele se violenta. E, como diz a sabedoria popular, a natureza não revida, vinga. Sua resposta nem sempre é imediata. Pode levar meses, anos, até mesmo séculos, quando pensamos na evolução da própria raça!
É nesse processo de auto-agressão que se vai produzindo, transmitindo e acumulando o espírito de violência. E vira um círculo vicioso: uma visão de mundo dominada pelo espírito de violência só vai criar conhecimento e tecnologia reprodutores da própria violência. O que vai resultar numa cultura de medo e destruição.
Exemplo disso é nossa atual cultura, a que denominamos pomposamente de civilização: cada vez mais criando e disseminando hábitos reprodutores da ideologia do medo. Basta que reflitamos um pouquinho sobre nossos atuais hábitos. Da hora em que nos levantamos à hora em que nos deitamos, todos eles são reprodutores do medo. Medo do vírus, da bactéria, do micróbio, da dor, da doença, do futuro, da morte, de nós mesmos e do nosso semelhante. Será que tanto medo ainda deixa espaço para se cultivar o amor à vida?
O amor passa a existir apenas na dimensão da intenção, apesar “de boas intenções estar cheio o inferno”! E tudo passa a ser chamado de amor, até em relações sado-masoquistas!
Amar não é uma questão de intenção e, sim, de potência, de capacidade. Daí sua matéria prima ser a energia material humana vital/positiva, que se cultiva
numa relação harmoniosa com nossa própria natureza e cujas manifestações são de calor, perfume, oleosidade e doçura.
Se analisarmos, entretanto, nossos atuais hábitos, todos eles são reprodutores da energia material humana mortal/negativa, que é fétida, frígida, seca e salamarga, por isso, matéria prima do medo. Matéria prima que vem sendo produzida/reproduzida por um modelo de sexualidade cada vez mais distante do modelo natural da fusão genital, num progressivo e cumulativo processo de substituição pelo modelo de fissão genital, gerando mais e mais agressão às leis que regem nosso instinto de preservação da espécie.
Não é por acaso que o episódio de Caim e Abel seja o primeiro a suceder o do pecado original. Nem é por acaso que Caim, o primogênito, seja a expressão do mau e da violência. O fruto de um processo agressivo certamente será sujeito de agressão, de violência e de morte. A não ser que ele entenda a dinâmica desse processo e busque sua superação. É para isso que deve valer termos colhido da árvore do conhecimento, adquirindo racionalidade. É para isso que devemos fazer valer o nosso livre arbítrio.
A violência se expressa por gestos. Temos que combater esses gestos e, por vezes, até reprimi-los. Isso, porém, não basta! Estamos atuando na dimensão das conseqüências. A solução é enfrentarmos sua causa: o espírito que a alimenta, aumenta e perpetua.
A sua principal causa é um paradigma de conhecimento que nega a dimensão da energia existente na matéria, em especial, quando o objeto de análise é o próprio ser humano. Tal paradigma gera no indivíduo uma relação de ilusão com a realidade, tomando, por exemplo, alívio por prazer e vício por virtude, e, consequentemente, agredindo a sua própria natureza. Ora, se sou capaz de agredir a mim mesmo, por que não agredir o outro, seja ele que outro for?!
Por isso, um novo modelo educacional requer, antes de tudo, a incorporação de processos que desmistifiquem essa confusão conceitual entre alívio e prazer. Por conseqüência, tal modelo trabalhará muito mais a dimensão da qualidade do que da quantidade. Em função disso, a motivação se dará é na busca da perfeição (auto-regulação), num constante enfrentamento da competição.