Boca boa?!
Uma boa alimentação(?) associada à prática regular de exercícios físicos nos tem sido vendido como o suficiente para que nos tornemos pessoas saudáveis!
“O ser humano é o que come”. Essa tem sido uma afirmação constante e contundente dentro dos programas que tratam de uma “boa” nutrição. Daí a necessidade de se comer isso ou aquilo para se ter uma boa saúde. Como, também , a necessidade de especialistas capazes de analisarem os alimentos e pontificarem quais são bons e para que o são.
Junte-se a isso a aflição das mães ou babás ao darem a papinha para a criança. Quando essa fecha a boquinha e faz a cara de quem não quer mais, lá vem a história do “abre a garagem para o carro entrar” ou então “olha o aviãozinho”! Pior ainda, quando já mais grandinha, a chantagem do “come se não mamãe vai ficar muito triste”!
Cadê a dimensão do prazer?
E assim se vão castrando nossas crianças ao ponto de, quando adultos, afirmarem, com todos os dentes, que não existe este negócio de paladar! O que importa são as proteinas, as vitaminas e mais isso e mais aquilo.
Qualquer animal, no seu habitat natural, sabe se virar com relação ao alimento. Ao contrário, nós seres humanos, ditos racionais, já não mais sabemos nos alimentar. Ou por outra, não mais damos conta de responder ao nosso instinto de sobrevivência, com sérias e maléficas consequências na vivência do nosso instinto da preservação da espécie.
Já na Sabedoria Popular o ser humano é como come. Não importa tanto o quê e, sim, o como. O importante é se fruir o alimento, dele tirando seu sumo, sua energia. Daí a importância da dimensão do sabor. Daí a capacidade de se sentir prazer. Daí o desenvolvimento de sua capacidade de escolha, num diálogo entre olfato e paladar.
Foi o próprio Cristo que disse: “o que importa não é o que entra pela boca do homem, mas o que dela sai.” Ou seja, importantes são os sentimentos que o coração guarda e produz. São eles que nos fazem menos ou mais humanos. São eles, também, que vão determinar se tal ou qual alimento nos fará bem ou não. Por isso, na sabedoria popular, a hora da refeição é sagrada. Nada pode atrapalhar o ambiente de paz. E, sobretudo, o desejo é respeitado, porque é conhecido e reconhecido.
Com a negação da dimensão da energia humana, não mais reconhecemos nossos desejos e passamos a nos alimentar ou sobre o regime das dietas ou sobre o regime da compulsão. A única energia na qual acreditamos é a que deriva dos alimentos. E é ela e só ela que faz funcionar esta máquina na qual nos tornamos.
E cadê a energia que nós mesmos produzimos? Ou só os demais elementos da natureza é que são capazes de produzirem sua própria energia?!
É que a energia humana são, antes de tudo, nossos sentimentos. Desconhecendo-a, estamos cada vez menos sabendo lidar com eles. Nossos gestos e ações não têm passado de reações mecânicas, seja provendo nossa sobrevivência, seja vivenciando o instinto da preservação da espécie.
Sem se fazer a distinção entre alívio e prazer, não se cultivam os verdadeiros sentimentos. Sem sentimento, não há valor. Sem valor, não há ética. Sem ética, não há comunidade humana que se desenvolva ou, até mesmo, que sobreviva.