G.Fábio Madureira
Serro, meu berço querido,
que embalaste-me a criança
ao ritmo doce da brisa
que vinha lá do Espinhaço.
Recanto de gente humilde
que sentindo a terra do teu chão
com os pés nus da vaidade
lia o pulsar de teu coração.
E desta leitura sentida
colheram o verdadeiro saber
que nos traz a humana vida
na luta entre querer e poder.
Tua gente e tua brisa
me ensinaram muito do céu,
me mostraram que o poder
vem do querer rasgar o véu.
O véu que encobre a verdade
do calo e do rachado dos pés,
do batom da falsidade
e da fantasia dos anéis.
Que nossa força divina
está no sentir o gostinho
da água que nasce da mina,
da brisa que sopra mansinho,
do hálito doce da menina,
do sabor da rara maçã,
do murmurar do moinho
fazendo o angu do amanhã,
do frio gostoso da terra,
do aconchego do raio de sol.
E quem isso não sente só erra
pois guia no escuro sem farol .
Serro, caixinha de segredo
de vidas sem arremedo.
Abra os olhos, meu Serro,
e deixe-me enxergar teus erros.
A vida é feita pela História
e perante a História não erra
quem puxa pela memória
e não renega sua terra.
Por que aleijaste o Juquinha
que virou nosso Treis-treis?
Por que mataste o Zezinho
de cachaça com tal rapidez?
Por que afogaste a Bençõe
que os gambás comia a todos?
Foste tu ou quem foi
que a todos deu tais modos?
Por que deserdaste o Favico
da fortuna de ser rico
e o deixaste na miséria
com tantas notas na algibeira?
Por que não deste ao Figico
o descanso que merecia
de quem labutou com afinco
noite e dia na sacristia?
Por que expulsaste o vigário
que gostava tanto dos pobres
e pelo Pão do Sacrário
viveu a pobreza de um nobre?
Dos escravos não me lembro,
mas pelas marcas do trabalho
que guardas em tuas muralhas
compactuaste com o sofrimento
de uma raça que, em frangalhos,
provém a tantos o sustento
de pão, calor e mortalha.
E ao remexer tua História,
achando um punhado de erros,
continuas fonte de glória
e de amor, oh meu Serro!
É que tu não és um, és vários:
milhares, senão milhões.
És conforme os santuários
que guardam os corações.