“Racionalidade é a qualidade do racionável, ou racional. Estando ligado ao raciocínio, que é o uso da razão para se conhecer algo.”
Longe de mim duvidar e muito menos questionar o Aurélio. Concordo plenamente com ele. Aliás, tenho por princípio não discordar de nenhuma autoridade. A questão está é com a interpretação que se faz do que ela diz ou escreve. Nesse caso, principalmente no entendimento do último termo da definição: algo. É com relação a esse “algo” que se colocam possíveis divergências.
“Uso da razão para se conhecer algo.” Que se deve usar a razão é algo que jamais questionei ao falar de racionalismo. Aliás, o uso da razão é inerente ao ser humano e um dos seus principais definidores, variando apenas em grau, esteja ele na era da pedra lascada ou da cibernética. O que questiono é o objeto trabalhado por essa razão, o tal do “algo”, quando se trata da realidade material.
Há um século parte da ciência trabalha com um conceito de matéria que, por incrível que pareça, ainda não foi claramente dicionarizado. Pior ainda, não foi incorporado por grande parte de nossa intelectualidade, principalmente na área do comportamento humano. E, como não poderia deixar de ser, ainda não caiu no senso comum. Ou melhor, no senso comum da população escolarizada. Essa continua aprendendo prioritariamente o conceito de matéria da mecânica, que exclui a dimensão energética.
Para aqueles, porém, que tiveram pelo menos parte de sua formação influenciada pela sabedoria popular, a reconceituação da matéria por Einstein não trouxe nenhuma novidade. A sabedoria popular sempre insistiu que a matéria contém energia. Basta que analisemos minimamente as suas práticas, valores, hábitos e discurso.
De fato não é nada fácil migrar-se de uma visão mecânica da realidade material para uma visão dialética. E o que determina essa migração é principalmente a reconceituação de matéria. Enquanto essa for reduzida à dimensão da massa, fica difícil entendermos a realidade além de um conjunto de peças e de engrenagens. É mais cômodo e tranqüilo! Vendo a realidade como um conjunto de peças e de engrenagens podemos até delimitar fronteiras para o real!
Quando, entretanto, tomamos consciência de que, de fato, a matéria supõe energia, as coisas se complicam. Principalmente na questão das fronteiras da realidade. Nem sempre os espaços ocupados pela energia são visíveis, tangíveis ou mensuráveis. Pelo menos por enquanto. E aí o racionalista mecânico entra em pane. Como classificar tudo direitinho, guardar tudo organizadinho e expressar tudo clarinho?!
O melhor é continuar fazendo de conta que não percebe, que não existe e tocar o bonde em frente. O pior que não é bonde mais! E se for, já é movido à energia que pode ser até atômica. Pior ainda é se usar normalmente o celular como se esse pudesse ser explicado pela mecânica! Mais grave, porém, é se esse “intelectual” se mete a ser um baita de um internauta! Como entender a internet a partir de um conceito que reduz a matéria à simples dimensão de massa?! Ou a realidade virtual da internet não faz parte de nossa realidade material e deve ser classificada como realidade espiritual?!
Daí minha insistência em me auto-classificar como materialista. E disso não abro mão. Afinal vivo na realidade material. E para que viva minimante bem, tenho que tentar entender essa realidade. Mas jamais poderei compreendê-la relevando sua dimensão de energia.
E se, por um acaso, assim o fizer, estarei, à luz da atual ciência, sendo massista e não materialista. E ao se reduzir a realidade em que vivemos à simples dimensão da massa, estamos no mínimo deixando de considerar 50% da realidade, dentro de um raciocínio mecânico. Dentro de uma visão dialética, porém, que tem como objeto de análise as relações, estaremos deturpando completamente (100%) nossa compreensão da realidade.
É por isso que quanto mais evoluí nessa visão materialista mais fui recuperando minha dimensão espiritualista. Afinal na dimensão energética não cabem fronteiras. E quanto mais se avança na sua compreensão mais se percebe a existência de outros níveis de realidade. E é de novo o Einstein que não me deixa mentir.
Essa visão dicotômica da realidade, espiritualidade de um lado e racionalidade do outro, é algo que teoricamente foi superado a partir de 1905. Teoricamente, porque na prática esse ainda é um grande argumento. E como argumento, a quem interessa?
Essa é uma questão que me persegue há algum tempo. E foi só me aprofundando na compreensão da sabedoria popular que consegui formular algumas hipóteses de resposta.
Olhando para a história, percebemos que novas teorias levam um razoável tempo para serem incorporadas ao senso comum. Portanto, estaria tudo normal, dentro do script do ritmo histórico.
Nesse caso, porém, há uma novidade que assusta. É que a maior resistência ao conceito de Einstein se dá é nas camadas mais intelectualizadas, aquelas que deveriam ser de vanguarda. As menos escolarizadas não só o aceitam, como o entendem e até o ampliam. Para a sabedoria popular, por exemplo, matéria sempre supôs energia. Até aqui coincide com Einstein. Mas também sempre percebeu que, no caso da realidade humana, essa energia é ambivalente: pode ser positiva/vital ou negativa/mortal.
E eu acho que é aqui que se encontra alguma pista para entendermos a persistente e aparentemente incompreensível resistência de grande parte da intelectualidade.
Formado dentro de um modelo educacional ainda predominantemente inspirado pela ideologia mecanicista, o indivíduo recebe um diploma para ser mestre, guia, terapeuta etc. Como tal, “é normal” que se considere à frente dos demais. Ao admitir a dimensão de energia na realidade material e fazendo parte dessa realidade, tem que se aceitar como sujeito/objeto de energia. Se essa fosse só positiva/vital, tudo bem. Mas, no fundo, ele sabe que não é. Está aí grande parte dos produtos da humanidade para provar o contrário. Não há como se explicar o atual estágio da sociedade humana sem admitirmos o ser humano como fonte de energia negativa/mortal, que se expressa por inveja, ódio, orgulho, cobiça, etc. E dessa energia ele, mestre, guia, terapeuta, jamais se admite como sujeito.
O pior de tudo é que essa é a maneira mais eficaz da energia material humana negativa/mortal reinar: negar sua própria existência, transvestindo-se de virtude e de prazer.
Pior que isso, porém, é que, admitindo-se a dimensão da energia material em nós e essa não tendo fronteira, tomamos consciência de dimensões extra-materiais (espirituais) às quais de alguma forma estamos conectados, fenômeno ao qual numa linguagem religiosa se dá o nome de fé. E essa conexão (fé) se dá na freqüência e no grau da energia que cultivamos: se positiva/vital, com o reino do amor, da luz; se negativa/mortal, com o reino do medo, das trevas.
G.Fábio Madureira