“Amo-te muito, como a brisa aos campos
e o bardo à lua derramando luz.
Amo-te tanto, como amo o gozo
e Cristo amou ardentemente a cruz.”
Pena que essa estrofe da famosa modinha “Amo-te muito”, do cancioneiro mineiro, nunca seja cantada! Com isso, sendo praticamente desconhecida, não se divulga o cerne da ideologia da sabedoria popular. Vê-se claramente, e através de uma comparação que não deixa dúvidas, que para o povão o gozo sempre foi a referência. E ele podia aspirar por isso. Sua forma de viver era embasada na constante busca do prazer, pois só na dimensão do prazer pode acontecer o gozo. E seu saber era um facilitador. Nele se distinguia claramente prazer de alívio.
Atualmente, entretanto, nossa aprendizagem tem-nos levado a uma total confusão com essas palavras, a ponto de nos deixar perdidos! Tem-se chamado de prazer a uma sensação que geralmente não passa de alívio. Por isso que o gozo tem deixado de ser referência. Na dimensão do alívio o gozo não se dá.
Essa confusão e conseqüente desorientação resultam de um saber que, cada vez mais, nega a dimensão da energia material na nossa realidade humana. Negação que não existia na sabedoria popular. Muito antes pelo contrário. Nela a energia material humana sempre ocupou o centro das atenções. É só nos lembrarmos das benzedeiras, dos rituais de purificação mas, sobretudo, de seus hábitos, que propiciavam uma relação prazerosa com tudo que tivesse a ver com a natureza.
Tudo isso porque a sabedoria popular, ao admitir a dimensão da energia na realidade humana, sempre sacou a sua dupla face: uma, positiva/vital e a outra, negativa/mortal. E, a partir dessa percepção, foi desenvolvendo formas de se livrar da negativa/mortal. A essa liberação dava o nome de alívio. Alívio, portanto, é a nossa capacidade de nos livrarmos das cargas de energia material humana negativa/mortal herdada ou recebida e, principalmente, daquela por nós mesmos reproduzida ou produzida e que se expressa sobre as formas de mal estar, incômodo e dor. Assim, na dimensão do alívio, o que interessa é o produto, o resultado. E viva a quantidade! Que reine o consumismo ou até mesmo o desperdício!
Prazer é outra coisa. Prazer é a capacidade de nos interagirmos com a energia positiva/vital, fruindo a relação material que a produz. Na dimensão do prazer o foco é o processo, a forma. Para isso é preciso que estejamos em paz, em harmonia conosco mesmo. É a dimensão da qualidade! Prazer, portanto, não é a causa do bem estar e sim, sua consequência. Por isso que o verdadeiro prazer só é vivenciado no cultivo das virtudes. Elas são a expressão do nosso desejo, da nossa potência, da nossa pureza de energia material humana negativa/mortal. Tão mais intenso, portanto, será esse prazer quanto menos estivermos carregados dessa energia negativa ou mortal.
Atualmente, com o esvaziamento do conceito de matéria, dela negando-se toda a sua dimensão de energia, já não conseguimos mais distinguir o que é alívio do que é prazer. E se toma uma coisa pela outra. Ao ponto de um guloso abrir a boca e, com todos os dentes, pontificar que é ligado no “prazerzinho” de comer. Quando?! Se ele é guloso, não sente o que come! Come é por compulsão. Sua “satisfação” é dada pelo enchimento do estômago, que é a única coisa que aparentemente lhe deixa em paz. E quando sente essa momentânea paz, já está com a pança cheia. Arrepende-se de não ter fruído o gostoso da comida e fica revoltado porque não consegue comer mais.
E isso vale para todos os chamados vícios. Porque a sabedoria popular, ao considerar a dimensão de energia da realidade material humana, tinha uma correta noção do conceito de vício. Sabia que vício é aquilo que você faz por compulsão, e não movido pelo real desejo.Daí que ela não tinha medo da palavra pecado. E na medida do possível dele fugia, porque intuía que pecado não gera prazer. Quando muito, gera um alívio passageiro, mas, também, um indesejado sentimento de culpa.
Hoje, ao contrário, frequentemente escutamos alguém dizer, em alto e bom tom, que pecado é fonte de prazer. Coitado! Nunca soube o que é prazer! Muito menos que prazer resulta do cultivo das virtudes. Por isso sua relação consigo e com a realidade nunca lhe propiciou algo além de alívio. E sua insistência em chamar a isso de prazer! Daí sua pobreza de espírito. Sua busca incessante de algo que nem sabe o que é, muito menos, como buscar. E, como consequênica, uma relação neurótica consigo e com a vida. E, a nível coletivo, uma constante e crescente crise de ética.
E são pessoas desse tipo que nem admitem falar em energia material humana! Geralmente porque vivem do cultivo de sua face negativa! Mais uma vez, que pena! Estão perdendo a oportunidade de começarem a aprender sobre aquilo que sempre procuraram e nunca encontraram: a verdadeira dimensão do prazer ou o caminho das virtudes.
G. Fábio Madureira