G. Fábio Madureira
Vamos desmistificar
do pecado sua noção,
na natureza buscar
a certa definição.
O pecado é a transgressão
de qualquer lei natural
que regula uma função
do sistema corporal.
Não só o corpo pessoal
mas também o coletivo:
no sistema universal
somos objeto ativo.
Até nosso astro rei,
que é o centro do sistema,
se submete à lei
sem poder fugir do esquema.
Não sou eu que a invento
na pobreza deste verso.
Qualquer um dos elementos
que compõem o universo
tem na lei o seu assento
pra poder só ter sucesso
e se a agride em um momento
vai se ver no caos imerso.
Somos também natureza
que a tais leis obedece,
se as não vemos com clareza
do mal nossa alma padece.
I
Nossa saga se inicia
com o pecado original
que nossa filosofia
nele não viu o real.
Se pecado é agredir
uma lei da natureza,
como é que fomos cair
e perder nossa pureza?
Tudo começa com o cio
que o homem superou.
Resta entender o vazio
que essa agressão engendrou.
Que isso foi uma agressão
a natureza explica,
só não se entende a razão
do vazio que mistifica.
Se o cio tem sua forma,
nele vamos encontrar
da natureza a norma
pra não mais poder pecar.
Por incrível que pareça
aqui a forma é essência
pra que o sexo não padeça
do pecado a conseqüência.
Pro pecado superar
e o vazio preencher
é no cio a se mirar
e sua forma entender,
reencontrando o sentido
do verdadeiro amor
que o homem havia perdido
quando virou pecador.
II
Há muito tempo pesquiso
o pecado original
pois entende-lo é preciso
pra enfrentar o capital.
Dos pecados capitais
sempre tentei me livrar
mas não entendendo os sinais
o que fiz foi só pecar.
Com teólogos debati,
catecismos estudei,
santos padres eu já li,
nada de certo encontrei.
O catecismo romano
faz apenas referência
a esse drama humano
sem definir sua essência.
Para uns é a inveja,
para outros, a luxúria.
O que sempre se deseja
é compreender essa fúria
que agride a natureza
e nos deixa cativos
dessa força que a beleza
retira dos seres vivos.
Procurar em um dos sete
a sua compreensão
é a lógica que se inverte
provocando confusão.
Se ele é dos sete a fonte,
nenhum dos sete será,
não há fórmula que se monte
para assim o desvendar.
Se é fonte não é foz.
É nos sete que deságua
imprimindo em todos nós
seu sinal: esta má água.
Essa má água guardada
no sistema de mucosas
e por todos nós herdada
de uma vida que não goza
já que essa água lhe impede
de o amor em paz fruir,
pela fricção se mede
para algum prazer sentir.
Mas fissão não traz o gozo,
que é filho da fusão,
traz agito e não repouso,
nutre a alma de aflição.
“Serás dois numa só carne”.
O mandato é de fundir.
Mas amor virou só charme
de impotentes pra fruir.
III
Capital é da cabeça
pois que é o principal
mas para que em nós floresça
é preciso o original
dele é que nascem os sete
e com nenhum se confunde
pois em nossa alma mete
o veneno que em nós funde
este corpo a fraquejar
perante nossa potência
de na vida só gozar
vivendo nossa essência.
Como a vida não degusta
no fruir da qualidade
o nosso ser se assusta
e chaveia a quantidade.
Isso explica a preguiça,
a luxúria e a gula,
e também a tal cobiça
que não tem o que não engula.
Resta o orgulho altaneiro
e o ódio fulminante
com a inveja sorrateira
de qualidade ofegante.
Capital é da cabeça
pois que é o principal
mas para que em nós floresça
é preciso o original.
Se é fonte não é foz.
É nos sete que deságua
imprimindo em todos nós
seu sinal: essa má água.
A luxúria sua morada
a gula seu alimento
a inveja sua jornada
o orgulho, vestimenta
com a preguiça cansada
a cobiça é seu sustento
e a ira bem armada
cobre-lhe de lenimento.
IV
Porque saímos dos trilhos
na missão de procriar,
Deus nos mandou o seu Filho
para o pecado enfrentar.
No que se viu já liberto
de todas as peias do cio
o homem não por decreto
criou na alma um frio.
É um frio que vem de dentro,
sopro da morte na vida,
fazendo da morte o centro
de uma vivência contida.
Se a natureza supera
com o pecado original,
inaugura nova era
com sua face racional.
Vai perdendo a magia
de uma vida em fruição,
servo de uma nova energia,
gerada pela fissão,
que vira água pesada
e o nosso ser permeia
como marca registrada
correndo em nossa veia.
E compulsão vira desejo,
vontade longe de nós,
é necessidade que vejo
de pagar pelos avós.
Tal noção está implícita
na ciência popular
onde a principal conquista
é na vida se enxugar
dessa má-água maldita
que nosso gozo oculta
sendo a vida só bendita
se a pessoa for enxuta.
V
Mas esse homem racional,
que disso bem pouco tem,
vive o artificial
dominado pelo além.
Não o além da eternidade
que nos faz andar pra frente,
mas o além da mediocridade
que aqui passou sem ser gente.
E nessa evolução pra trás
sua alma vai morrendo
e seu corpo nunca em paz
pela dor se vai roendo.
E do alto de sua mente
que não é sua, é alheia,
grita eloqüentemente
estar livre de suas peias
da espécie animal
que se libertou do cio
e por isso é racional
apesar de seu desvio
de um ser só natural
passou a ter consciência
do que é bom e do que é mal
e criou uma ciência
que gera o artificial
conspurcando sua essência.
Que todos nós somos vítimas
esse é o nosso credo
e as nossas chances ínfimas
de enfrenta-lo tarde ou cedo.
Na infância é difícil,
somos só receptores
da energia como míssil
que vem dos progenitores.
A criança é só objeto
da energia que emana.
Já de adulto se é sujeito
dessa energia humana.
VI
Se é pecado original
é na origem que está,
é na esfera sexual
que o iremos desvendar.
Por linguagem figurada
Deus já no-lo explicou
mas a mente bloqueada
ainda não o decifrou.
Se é mistério ou se é mito
não é essa a questão
a questão é o conflito
que carrega o coração.
Sexo é a fonte de vida
mas também o é da morte.
Jamais teremos saída
sem entender nossa sorte.
Se no macho ele é mecânico,
já na fêmea ele não é
e até se diz satânico
o segredo da mulher.
Não é segredo nem enigma
a potência feminina,
é apenas um estigma
que a história determina.
Chega até ser pressuposto
em toda a filosofia
a mulher não ter um rosto
se de sexo se escrevia.
É a tal da irreferência
que a Grécia consagrou
e depois nossa ciência
absoluta incorporou.
E hoje por semelhança
com o falo masculino
deram à mulher a esperança
de um falo pequenino.
É a visão patriarcal
mais uma vez reforçada
com o clitóris em alto astral
para uma fêmea castrada.
Mas ninguém fala do cio,
falsamente superado,
que na origem é o desvio
e gerou o tal pecado.
E é nele que se tem
da mulher a referência:
os sinais que dele vêm
são a fêmea em sua essência.
Sua potência é dialética
e por isso invisível.
Numa relação poética,
é concreta e sensível.
É uma pressão pulsante
ao ritmo do coração
e que aninha o amante
ao amor dando vazão
O amor só se produz
entre potências iguais
se não, o ser se reduz,
produzindo apenas ais.
Se desse modo acontece,
só o medo se recria
e é a vida que padece
ao nutrir-se uma alma fria.
E a energia produzida
é mortal e negativa,
minando dos dois a vida
que do mal fica cativa.
Seja homem ou mulher
para o cio reencontrar
só sabendo o que se quer:
do umbigo se desligar.
Mas se isso não se dá,
o umbigo é a referência
em um sexo a se afrouxar
reproduzindo carência.
A mente não se religa
com a energia universal
e com ela vive em briga
pela artificial.
E a mente e o coração
entram em total descompasso
vendo na religião
nada além do que percalço
ou no mínimo uma fuga
desta nossa realidade:
qualquer doutrina aluga
pra ocultar sua maldade.
VII
Foi por conta do pecado
que maculou nossa origem
que um anjo foi enviado
a dialogar com a Virgem
que prontamente aceitou
e a Cristo concebeu.
Como se profetizou
em Belém Jesus nasceu.
Tinha que ser com Maria,
de uma pureza total,
a saga que enfrentaria
o pecado original.
Com o calcanhar a serpente,
no coração a espada,
com sua dor legou pra gente
como a dor ser enfrentada.
Se de Eva a herdamos
e sempre a ampliávamos,
com Maria já sonhamos
o que antes não sonhávamos.
É que ela deu a Luz
no sentido verdadeiro
entregando-nos Jesus
pra salvar o mundo inteiro.
Ele é a verdade e caminho
pra quem quer se redimir
e é vida em nosso ninho
se O queremos seguir.
Da árvore do pecado
construiu sua cruz
nos deixando um legado
de amor,verdade e luz.
E se não fosse o pecado
que tirou nossa inocência
Deus não teria mandado
que Ele nos desse a ciência
de um reino só de amor
onde o medo não tem vez
nem devemos sofrer dor
pela nossa pequenez.
É a fé como mostarda
que nos fará chegar lá
desde que em nossa jornada
só se tenha amor a dar.
Mas para isso é preciso
que nos saibamos amar
e é esse o novo aviso
que Ele mandou divulgar.
Para do amor ser sujeito
nunca podemos ter medo
de amar de qualquer jeito
não sendo ao pecado afeito
entendendo os sinais
que nos vem da natureza
que não é dona dos ais
que impedem a pureza.
Trazemo-los na memória
da natureza agredida,
é plano da história,
não de Deus, na nossa vida.
Ele nos quer inocentes
por isso seu Filho nos deu
para sermos agentes
do plano que era só seu.
Com Adão somos co-autores.
Não é questão de humildade
reconhecermos o fato.
É questão de honestidade
vermo-nos como senhores
das intenções e dos atos.
Por tudo o que se tem visto
algo em nós há que mudar
para que a vinda de Cristo
possa mesmo nos salvar.
Assumirmos a co-autoria
do pecado original
pra revivermos um dia
a inocência original.
Nela só se é senhor
das intenções e dos atos
se se entende ser co-autor
do pecado e seus impactos.