G. Fábio Madureira
Minha mãe é mui ligada
na tal história do cu
por um triz ou quase nada
lá vem a D. Lulu:
“não tá boa minha memória
por isso não vou contar,
conta pra moça a estória
do órgão a se rebelar.
Não gosto de dar o nome
mas você sabe qual é,
aquele que me consome
e põe a gente de ré.”
“Aquele negócio doce”,
minha mãe só diz assim,
como se santa ela fosse,
sobre um não querendo sim.
Minha mãe só insinua.
Cabe a mim lhes revelar
de uma forma crua e nua
o cu a se rebelar.
II
Toda a história começa
por causa da hierarquia
que confiante a cabeça
ao corpo impor já queria.
Tal qual na sociedade,
com primeiro e com segundo,
mostrando ser a verdade
que rege este nosso mundo.
A cabeça argumentava
a justiça da proposta,
era o que ela sonhava
e nisso punha aposta.
.
Sem segundo e sem primeiro
tem-se muita indecisão,
até mesmo no terreiro
tem o galo o timão.
E era na democracia
que propunha a decisão
pelo voto se diria
a geral opinião.
III
O cu logo protestou
revelando sua verdade,
com veemência falou
defendendo a igualdade:
“cada um no seu lugar,
cada qual em sua função,
nada a se deliberar,
não existe confusão.”
IV
Votaram-se os dois palpites
e venceu a maioria
mas o cu ainda insiste
dizendo a quem escrevia
aquela ata histórica
pra registrar o seu voto,
sem nenhuma retórica,
da igualdade devoto:
“cada um no seu lugar
cada qual em sua função
não há o que se assuntar
sobre classificação.”
Como tudo indicava
que já fora derrotado
pelo orgulho que reinava,
que ficasse registrado
seu legítimo direito
de poder se rebelar
usando de qualquer jeito
pra sua idéia vingar.
Ninguém lhe deu importância
e a votação transcorreu.
Para a mais alta instância
a cabeça se elegeu.
Em segundo a barriga
que carrega o estômago
que desta vida de intrigas
é sem dúvida o seu âmago.
O coração, coitado!,
ficou em sexto lugar:
foi pro sistema um recado
para a cabeça reinar
com o estômago em parceria,
desfazendo o coração.
Esse recado dizia
jamais reinar a emoção.
V
E assim se definiu
pra cada um seu lugar
mas o cu não assumiu
pondo-se a rebelar.
No outro dia se trancou,
nada mais ali saía.
Como entrar nunca entrou,
era questão de mais dia.
Quando chegou o terceiro
eis a barriga roncando
e o coração por inteiro
já por pouco palpitando
Quando o quinto foi chegando
o ambiente tava preto
era a cabeça estourando
todos temiam o sexto
VI
Convocou-se de repente
uma nova reunião
não há órgão que agüente
um cu em rebelião.
Deram-lhe logo a palavra:
“Nada lhes tenho a dizer.
Está na ata a lavra
do que iria fazer
Tudo que tenho a falar
é pura repetição:
cada um em seu lugar
cada qual em sua função
Essa foi de Deus a lei
basta ter boa atenção
não fui eu que inventei,
foi meu Deus na criação.
Se ela prevalecer
retorno a me destrancar
não há nada a se temer
tudo volta a funcionar”.
Com palmas aliviadas,
todos por aclamação,
deram-se até risadas,
acabou-se a confusão.
VII
Mesmo com o cu funcionando,
cada órgão em seu lugar,
eu continuo buscando
o coração a reinar.
Ainda mais que hoje começa
a nova era de aquário.
Que só o amor prevaleça
nos corações em sacrário.