Criticar quem confunde alívio com prazer não é censura, e sim, pura sabedoria
Quando eu era criança
sabia o que era prazer
depois de alguma andança
procuro reaprender
Por tê-lo já bem sabido
descartava enganação
como um jovem atrevido
aos outros dando lição.
Mas por ser ainda incompleta
a lição nunca pegava
e eu ficava na reta
da crítica que aumentava.
Me chamavam de censor
e como isso me feria!
se criticava era a dor
onde prazer se queria.
Não era a dor instantânea.
E isso eu já entrevia
que a sensação momentânea
de “prazer” só dor traria.
É que não havia um nome.
Aliás o nome havia:
é o alívio que consome
e o povão já bem sabia.
Mas pra ter a distinção
é preciso conhecer
sem nenhuma confusão
o verdadeiro prazer.
II
Quem já de fato o curtiu
jamais irá confundi-lo
com o verdadeiro ardil
que o alívio nos urdiu.
No prazer é o processo,
o fruir a caminhada.
No alívio é o sucesso
o que importa é a chegada
mesmo com os pés em frangalhos
cheios de espinhos e cortes
valem mais as tais migalhas
selando uma triste sorte
de alguém que não viveu
passando por cima de tudo
pois que a vida não sorveu
com o coração sempre mudo.
Nunca que sente o que faz
por isso não tem valor
não se tornando capaz
de superar sua dor
III
Não há prazer verdadeiro
com os sensores desligados,
tem o ser que, por inteiro,
tê-los todos ativados.
Tal como é a terra que gira,
com os sensores funcionando
não há censor que interfira
no prazer se processando.
IV
Me chamavam de censor
mas jamais de moralista
por ser da busca a favor
mesmo que fora da pista.
Sempre cultivei virtude,
fonte do real prazer,
e fui até onde pude
pra não ter que alívio ter.
Mas pro saber fazer jus,
diferente do que tinha,
ao alívio me dispus
perdendo a alma minha.
E por um tempo também
com o prazer o confundi
dizendo um triste amém
e minha verdade traí.
Mas o meu corpo gritou
pra salvar a minha alma
e a dor se instalou
exigindo-me a calma
pra sacar a diferença
entre alívio e prazer
entre a força da querença
e a falácia do saber
Popular sabedoria
só lhe tenho a agradecer
o que, só, não saberia
pra distinguir o prazer
do alívio entronizado
pelo reinante saber
como seu meio forjado
de destruir nosso ser
Reavi sabedoria
e o sabor do meu prazer
entendendo a energia
que na matéria há de ter.
Com esse novo conceito
de verdade ambivalente
já não trago no meu peito
aquele drama ardente.
Com a energia vital
o prazer se processa,
com a energia mortal
é o alívio que obsessa
Nada disso é censura,
é pura sabedoria
de um saber que ainda perdura
e que só amor irradia
Se isso é ser censor
contente eu o assumo
sustentando o amor
em seu verdadeiro rumo.
V
Cadê o prazer na inveja?
Onde o prazer na luxúria?
Onde o prazer na peleja?
Cadê o prazer na fúria?
Onde o prazer no orgulho
que nossa vida esgarça
transformando-a em entulho
pela cobiça que graça?!
O prazer não está no agito
muito menos na tal gula
ainda menos no aflito
que é o alívio que emula.
Prazer rima com virtude
nada pra se discutir
não há nada que isso mude,
só virtude vou curtir.
G. Fábio Madureira