Uma energia contamina, a outra germina
G. Fábio Madureira
Com seis anos de idade eu já ajudava meu pai lá na venda. Daquelas vendas do interior de Minas, lá no Serro, que chegam a vender de tudo. A nossa não chegava a tanto. Era de secos e molhados. Do toucinho à farinha. Do fumo de rolo à cachaça. Do grampo de arame ao querosene.
E foi aí que comecei a filosofar sobre o bem e o mal. Por que uma batata podre no meio de várias sadias consegue apodrecê-las? E por que uma sadia no meio de várias podres não consegue sará-las?
Essa coisa me deixava intrigado. Perguntava pra quem eu podia e não podia. Por vários anos essa questão me acompanhou. Claro que aos poucos ela foi tomando novas proporções e feições. Principalmente na medida em que fui tendo a oportunidade de conhecer novas caras, tanto do bem quanto do mal.
Mas eu me estrepei mesmo foi em acreditar que o mal tem sempre alguma cara, como acontecia com as batatas. Porque, acreditando assim, e sendo a cara algo visível, eu poderia sempre dele me afastar ou combatê-lo. E foi o que tentei fazer. Mas, aos poucos, fui percebendo que ele já estava bem perto de mim. Pior ainda, que estava dentro de mim. Eu estava apodrecendo. Até meu suor já se tornara mal cheiroso! Isso depois de ter escutado que o mal é relativo. Que o que achava que era, não era. E por fim, tendo-o a corroer minhas entranhas, ter que discutir com alguns teimosos em afirmar que ele nem existe!
Até que fui, por uma questão de sobrevivência, descobrindo as suas artimanhas.
A principal delas é que ele nunca se apresenta, está sempre fantasiado. Uma outra é que ele nunca mostra a cara, sempre escondida atrás de alguma máscara.
O segredo, pois, era começar por desmascará-lo. Para isso tive que remexer toda a minha bagagem. E, por coincidência ou não, as pistas para a resposta fui encontrá-las lá na venda de meu pai, no balaio da sabedoria popular.
Juntando tudo e debulhando as partes, cheguei ao conceito de energia material humana. Era com essa dimensão da realidade material que eu não estava sabendo lidar. O entendimento da origem e do funcionamento dessa energia explicava tudo. E a sua característica que mais complica a nossa vida é o seu caráter ambivalente, podendo ser positiva/vital ou negativa/mortal. É por aí que a gente se perde.
A constatação desse caráter ambivalente da energia material humana me faz voltar à minha primeira questão filosófica. Tal como as batatas, também a energia material humana negativa/mortal contamina e a positiva/vital, não. Só que, no caso das batatas, não passava de uma aparente curiosidade. Agora, não. Tratava-se de uma questão de sobrevivência. Não só a minha, como de resto a de toda a espécie. Afinal, se a negativa/mortal tem esse poder e a positiva/vital, não, a conseqüência é a autodestruição da espécie humana e a destruição do planeta.
Diante da gravidade que tomou a minha primeira questão de vida, passo a assuntá-la sistemática e diuturnamente. Num primeiro momento isso me causou uma certa desesperança. Num segundo, cheguei até a sentir uma certa revolta em relação ao Artífice disso tudo. Por que a morte é mais forte que a vida?
Foi aí que me veio a luz. Finalmente encontrara uma resposta para a questão que as batatas da venda de meu pai me propuseram, agredindo o meu olfato.
De fato uma batata podre apodrece todas as demais. De fato uma sadia não sara nenhuma outra. Em contraposição, porém, podemos plantar um saco de batatas podres que nenhuma nascerá. Ao contrário, basta uma sadia ser plantada para podermos colher um saco de batatas saudáveis.
A batata podre contamina, mas não germina. A batata sadia não contamina, mas germina.
O presente ´pode estar sendo dominado pela energia material humana mortal/negativa. Mas o futuro pertence à energia material humana vital/positiva
Serenou-se meu espírito. Voltei a ficar em paz com Deus. Voltei a acreditar no ser humano.